A profissão militar é detentora de uma ética própria, baseada em quatro pilares tradicionais: o Sentimento do Dever, a Honra Pessoal, o Pundonor Militar e o Decoro da Classe. Esses pilares, bem como os atributos a eles orgânicos, encontram-se em concordância com aquilo que Alfred de Vigny explicitou tão bem em seu livro “Servidão e Grandeza Militares”, com todos os paradoxos ali relatados. Assim é que nossa profissão pode nos proporcionar momentos de singulares realizações pessoais no serviço da coletividade, em tempos de paz ou de guerra, mas pode também nos impor os maiores sacrifícios e atribulações em tempo de guerra, como, por exemplo, tirar a vida dos nossos inimigos.
A ética militar é, portanto, bastante complexa, na medida em que às bases da filosofia grega e dos princípios da Ética Cristã somam-se os princípios agregados pela Ética do Dever e pelo Utilitarismo dos filósofos britânicos. O pensamento kantiano, ao posicionar o cumprimento do dever como a mais alta das virtudes, alinha-se, de forma que talvez o próprio Kant não tivesse imaginado, ao Utilitarismo, que prega a busca do maior bem para o maior número de pessoas, e à Ética Militar, sintetizada no compromisso do soldado de defender a Pátria com o risco da própria vida. Não há novidade neste último ponto, uma vez que a existência do soldado se justifica pela sua prontidão em defender a Pátria, de armas na mão – o que, em última instância, em tempo de guerra, levará à perda de vidas humanas. Todavia, é evidente que esse raciocínio se choca frontalmente com alguns princípios da Ética Cristã, em particular no que se refere ao mandamento “Não Matarás”.
Há confissões religiosas em que tal conflito é percebido de forma mais assertiva e tido, de certo modo, como incontornável. Isso levou à inserção, no parágrafo 1º do artigo 143 da Constituição de 1988, de dispositivo destinado a atender a tais objeções de consciência em tempo de paz. De um modo ou de outro, o profissional das armas que meditar sobre os compromissos que assume ao incorporar-se às Forças Armadas sentirá o peso dessa aparente incoerência. Todos nós, militares, mais cedo ou mais tarde, passamos por esse momento.
De minha parte, a Doutrina Espírita exerceu papel decisivo na decisão que tomei de prosseguir na profissão militar após a conclusão do curso preparatório, uma vez que naquele momento o Espiritismo já embasava, em grande medida, a minha visão de mundo.
Posso dizer que a Doutrina Espírita, mediante o princípio da reencarnação, passou a representar para mim uma ponte entre a ética cristã e a ética militar. O conhecimento recém-adquirido, revelador da imortalidade do espírito sob um novo prisma, facultou-me o seguinte raciocínio: o serviço da Pátria impõe-me o dever do sacrifício da própria vida ou um outro, ainda maior, que é o de tirar a vida de meus semelhantes; se, por infelicidade, esta última hipótese vier a se concretizar, terei a confortar-me a certeza de que, em futuras reencarnações, surgirão oportunidades de resgatar esses atos praticados em prol de um bem maior.
Naquele ponto da caminhada, o Espiritismo já me havia levado a compreender, de maneira prática e descomplicada, como os princípios e valores que trazia do ambiente familiar encaixavam-se com perfeição no estilo de vida profissional militar. Já percebia com nitidez por que a responsabilidade precisa ter precedência sobre a liberdade; percebia a relevância do cuidado com o preparo próprio, da lealdade, da camaradagem, da dedicação integral e do espírito de sacrifício como fundamentos, tanto da vida na caserna quanto da vida em família.
Logo entendi que esses eram os pressupostos a serem atendidos para que eu, noite após noite, pudesse deitar a cabeça no travesseiro com a consciência de não apenas ter evitado a prática do mal, mas sobretudo de ter feito todo o bem possível. A noção de integridade, com todas as suas servidões, ganhava forma em meu modo de ser. Foi assim que a Doutrina Espírita veio, em grande medida, dar sentido à minha existência. Quase meio século transcorrido, percebo o quanto fui privilegiado em tê-la conhecido e abraçado tão cedo e em ter de algum modo contribuído para conservá-la viva nos corações e mentes de toda a nossa Família.
por Décio Luís Schons Cruzado 5418
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