Como me tornei espírita – breve história de uma longa jornada

Acabara de ingressar por concurso na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas, Estado de São Paulo, naquele já distante ano de 1973. Para o guri do interior gaúcho que pela primeira vez se aventurava além dos limites do estado natal, tudo era novidade, tudo era aprendizado. Os dias eram cheios de atividades físicas e intelectuais. O treinamento físico, com exceção da natação, não apresentava maiores dificuldades, mas as aulas de geometria descritiva, física e matemática eram desafios constantes, em razão da base intelectual insuficiente que trazia comigo ao ingressar naquela magnífica Escola. Daí a necessidade de prolongar o estudo pelas madrugadas, o que, diga-se de passagem, não era privilégio meu.

Numa situação dessas, seria de esperar que as horas de sono fossem reparadoras, mas não era isso o que acontecia. Na verdade, bastava-me fechar os olhos para que visões esdrúxulas passassem a me atormentar. Inimigos visitavam-me os sonhos sob as mais disparatadas formas: morcegos, aranhas, serpentes, monstros desconhecidos. Muitas vezes levantava-me em estado sonambúlico e saía a perseguir aqueles espectros pelo alojamento da 1ª Companhia de Alunos, tendo de ser reconduzido ao leito pelo aluno plantão da hora ou pelo sargento de dia.

Meu estado de esgotamento físico e mental logo se tornou perceptível para colegas e professores e os graus nas provas começaram a refletir essa circunstância de forma muito clara.

Num determinado dia, no intervalo após uma aula de geometria descritiva, o professor da disciplina, por nós chamado carinhosamente de Velho Mestre (não apenas pela idade, mas pela atenção que dedicava a cada um de nós, seus alunos), perguntou-me o que acontecia comigo e eu rapidamente lhe relatei minhas peripécias. Ele disse que poderia tentar me ajudar, levando-me a um centro espírita onde receberia passes e energização para superar aquele problema que, segundo ele, nada tinha de grave. Embora um pouco cético, aceitei o oferecimento, primeiro pelo respeito que sentia pelo professor e segundo porque, naquela situação, qualquer ajuda era muito bem-vinda.

No sábado seguinte pela manhã o professor me apanhou em seu automóvel e fomos a um bairro não muito distante da Escola. O centro espírita funcionava num grande barracão no centro de uma área terraplanada. Fomos orientados a entrar numa longa fila de pessoas que aguardavam a sua vez de serem atendidas no interior do barracão.

Julgo importante mencionar meu estado de espírito naquele momento: cansaço, desânimo, sensação de esgotamento físico e mental. Tudo parecia fora de foco, as cores mostravam-se embaçadas e sem brilho e até o sol parecia ofuscado pela bruma que me encobria os sentidos.

Após um bom tempo de espera, entramos finalmente no barracão. Chamava-me a atenção o estado lamentável do jovem que se deslocava à nossa frente, amparado por um casal de pessoas idosas, com muita dificuldade e externando grande sofrimento. Esse moço foi atendido imediatamente antes de mim. O médium, após alguns passes e preces invocando o nome de Jesus, esticou com as mãos o pescoço e os membros do rapaz, feito o que este começou a movimentar-se com facilidade. O rapaz saiu do local andando sem auxílio, após agradecer ao médium e aos guias espirituais que o haviam socorrido.

Chegara a minha vez. O médium me disse que não tinha com que me preocupar: eu estava sob a influência de energias negativas, mas elas seriam descarregadas de imediato e o problema estaria resolvido. Impôs as mãos sobre minha cabeça e orou em voz alta, exortando os espíritos perturbadores que me acompanhavam a não me atrapalharem no cumprimento de minha missão. A seguir, dirigiu-me algumas palavras de estímulo: que não desanimasse, pois visualizava à minha frente uma estrada ensolarada e que para manter o sol sempre brilhando era preciso sempre fazer o bem, ter fé e orar frequentemente. Essas eram as três condições para conservar ao meu lado os amigos espirituais e evitar que aqueles que me desejavam o mal pudessem aproximar-se de mim e atingir-me.

Agradeci o atendimento e as palavras de estímulo. Ainda incrédulo, procurando fazer sentido em tudo que havia visto e ouvido, saí do barracão e fiquei pasmo com a transformação que percebia à minha volta. As cores e os sons haviam retornado em seu esplendor: o verde exuberante das árvores, o dourado radioso do sol, os gritos e as risadas das crianças que brincavam num parque próximo irradiavam vida e alegria de uma forma que eu não recordava haver percebido antes.

Naquele momento, minha incredulidade cedeu lugar a um espírito inquiridor: “existe aí algo que ainda não entendo, mas que tenho a obrigação de entender e, no limite das minhas forças, colocar à disposição de outras pessoas para que, desde que o queiram, possam ser beneficiadas como eu o fui no dia de hoje.”

Nos dias e anos que se seguiram, as perturbações de fato cessaram, com raras exceções em momentos de grande estresse. Busquei entender aquele processo e encontrei apoio no Núcleo dos Militares Espíritas (NUME), o braço da Cruzada dos Militares Espíritas (CME) na Escola Preparatória, e na leitura das obras básicas da Codificação Kardecista. Nessa época tive a oportunidade de conhecer a inesquecível Professora Sulami Pereira Brito, Doutora em psicologia e orientadora de tantos jovens como eu, que frequentavam sua casa para conhecer a Doutrina Espírita e receber aconselhamento prático de enorme valor.

Já cadete da Academia Militar das Agulhas Negras, participei das atividades do Núcleo da CME em Resende durante os quatro anos do curso. Ali tive a oportunidade de manter contato com os dirigentes nacionais da Cruzada, notadamente o saudoso General O’Reilly, o saudoso Coronel Kremer e muitos dos atuais dirigentes da Cruzada, a quem aprendi a admirar pelo trabalho constante e desinteressado na seara do Mestre.

Durante todo o meu período como cadete, continuei a frequentar a casa da Professora Sulami. Naquelas inesquecíveis sessões espíritas, minha então namorada Beth dava seus primeiros passos na prática mediúnica. Ali foram lançadas as bases do nosso Lar e da nossa Família.

Ainda Aspirante-a-Oficial, tive a honra de participar do Cruzeiro de Instrução com a Turma de Guardas-Marinha Almirante Alexandrino. Nas longas travessias, exceto nos momentos em que me achava excessivamente mareado, participava de reuniões de estudo sob a orientação do nosso caro Comandante Valois, com quem muito aprendi, não apenas sobre a Doutrina Espírita, como também sobre muitas coisas práticas da vida militar e da vida em família.

Após ser declarado oficial, em minhas numerosas movimentações pelo território nacional e no exterior, muitas vezes contei com o apoio da CME. A par da necessária manutenção da cultura geral e militar necessárias ao correto exercício da profissão militar, conservei a leitura das obras espíritas na ordem do dia, por saber que “Fé verdadeira somente o é aquela capaz de encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade”.

Desde os primeiros tempos, entendi a missão da CME como sendo proporcionar aos profissionais militares espíritas e suas famílias, sujeitos a frequentes movimentações entre as numerosas unidades das Forças Armadas e das Forças Auxiliares distribuídas pelo território nacional, o acolhimento fraterno quando da chegada a uma nova guarnição. Disso tivemos amostra na chegada a algumas cidades, como Santana do Livramento, onde fomos recebidos pelo saudoso irmão de ideal Jesiel, então Presidente do Núcleo da CME naquela cidade fronteiriça onde fomos muito felizes.

Numa época como esta em que vivemos, plena de desafios, de medos, de fanatismos e de opiniões desencontradas, acreditamos que a prática evangélica orientada à luz da Doutrina Espírita tenha uma significativa missão a cumprir. Esse trabalho será desenvolvido, sobretudo, na orientação aos necessitados, no alívio das aflições espirituais, no despertar da verdadeira fé nos corações incrédulos que se disponham a aceitar ajuda.

Minha família e eu sabemos que a Doutrina Espírita não é receita milagrosa ou panaceia capaz de resolver todos os problemas com que nos deparamos em nossas vidas. É antes um guia, um receituário de como proceder para, estudando, trabalhando, crescendo e, sobretudo, amando o nosso próximo, termos uma existência plena e produtiva na senda do progresso e em prol daqueles que compartilham partes da nossa jornada terrena.

De forma coerente com esses princípios, elegemos a Cruzada dos Militares Espíritas, organização formada por pessoas de bem e comprometidas com a construção de um mundo melhor, para ser a destinatária de nossos esforços. Essa é, simplesmente falando, uma maneira simples e ainda incompleta de retribuir tudo que recebemos da Cruzada ao longo de quase meio século de vivência na Doutrina Espírita.

Brasília, 8 de julho de 2021

por Décio Luís Schons Cruzado 5418

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