Durante toda a sua vida, o militar se prepara e permanece aprestado para aquilo que ele menos deseja, mas que ele sabe, por dever de ofício, inevitável. Trata-se simplesmente do episódio mais doloroso na história dos povos: a guerra. Nessa ocasião ele deverá estar pronto a matar e disposto também a morrer em defesa de sua Pátria e de tudo que esse conceito tão amplo e sublime encerra em suas seis letras: as crenças, os princípios e valores – imateriais; o território, as estruturas físicas – materiais; e sobretudo os seres humanos integrantes dessa grande comunidade – seus compatriotas.
O grande paradoxo da profissão militar está no fato de a pessoa dedicar a existência a preparar-se para uma situação que repudia, desejando ardentemente que ela jamais ocorra, mas sabendo que, em última análise, sua plena realização profissional somente terá a chance de ser encontrada nos campos de batalha. Eis, em breves palavras, a essência daquilo que o grande escritor francês Alfred de Vigny abordou no clássico de sua autoria “Servidão e Grandeza Militares”. O título do livro já corporifica, de forma magistral, a essência da obra, dispersa ao longo das narrativas ali coligidas.
Ao ingressar na Instituição militar, quase meio século atrás, trazia comigo essas inquietações, advindas de meditações inspiradas pela leitura de livros retirados da biblioteca municipal de minha pequena cidade de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, onde morava com minha família. Embora a profissão do soldado tivesse atrativos, dúvidas me assaltavam sobre como alguém poderia realizar-se profissionalmente a partir da pura e simples preparação para tomar parte em conflitos que acarretariam perdas de vidas humanas aos milhares.
Com o passar dos anos, os ensinamentos dos chefes, as leituras e os debates, dentro e fora das escolas militares, levaram-me a compreender a necessidade das instituições armadas como garantidoras dos bens mais sagrados e indispensáveis da Nacionalidade, quais sejam a integridade territorial, a autodeterminação e, como último recurso, a ordem interna – tudo isso para que os demais cidadãos possam viver suas vidas em paz, com suas famílias, na busca das realizações que terminam por dar sentido à existência do ser humano.
Não obstante esse entendimento, havia ainda algo de natureza mais profunda a me inquietar. Oriundo de família católica, batizado e crismado, não compreendia como, mesmo com todas as justificativas e motivações, pudesse ser lícito a um ser humano tirar a vida de outro, mesmo que fosse em uma situação de conflito.
A Doutrina Espírita, com a qual tivera contato logo após ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, veio aos poucos trazer-me o entendimento das razões que levam alguns de nós a assumir a missão de velar pelo bem da coletividade, dispondo-nos a sacrificar não só a própria vida – o que por si só já seria muito grave – mas oferecendo-nos para contrair uma dívida pesadíssima, ou seja, aquela resultante do ato de tirar a vida de nossos semelhantes.
A realidade da reencarnação e o conhecimento da lei de ação e reação lançaram luz sobre o tema, fazendo-me entender que o mal praticado, mesmo sob a justificativa de evitar mal maior, sempre poderá e deverá ser resgatado, seja nesta reencarnação, seja em reencarnações posteriores, seja pelo amor, seja pela dor.
O passar dos anos teve um efeito consolidador sobre as convicções adquiridas na juventude, sem contudo gerar em mim o fanatismo característico daqueles que se consideram iluminados pela verdade única e imutável. Prossegui na carreira, imerso no cumprimento do dever para com a Pátria e a sociedade, sem descuidar da família que tive a ventura de constituir. Os dias passaram céleres, os anos se enfileiraram, quase meio século transcorreu. O destino poupou-me de participar de guerras como parte de um dos lados em conflito, embora tenha tido a oportunidade de ver algumas delas de perto na qualidade de mediador.
Hoje, ao olhar para trás e perceber a senda percorrida como soldado cristão espírita, meu coração se enche de um sentimento da mais pura gratidão por tudo que tive a oportunidade de aprender e de praticar, cumprindo sempre, como soldado, o meu dever, acontecesse o que acontecesse.
Já na reserva, não considero a missão como tendo sido esgotada. A Cruzada dos Militares Espíritas precisa de nós, soldados espíritas da ativa e da reserva, para que ela possa atingir os objetivos visualizados pelos fundadores e seus continuadores, desde a década de 1940.
Mãos à obra, portanto. Além do horizonte, a estrada continua…
por Décio Luís Schons Cruzado 5418
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