Somos todos caravaneiros da Vida, na jornada infindável da evolução. Durante o percurso, o pesado fardo de nossos débitos e deficiências empresta-nos a sensação de fadiga, que se abate sobre nossos membros, lassos, e as velhas convicções que trazemos do passado, das quais não conseguimos libertar-nos, são o pó que nos cobre a face e nos entranha o corpo, transfigurando-nos e marcando-nos com rudeza.
De vez em vez, é mister que nos acolhamos, com brevidade embora, à estância acolhedora em que nossas energias possam ser refeitas. Quando nos reunimos, como agora, para comungar do mesmo sentimento de afeto e gratidão àquele que dirige a legião em que nos alistamos, estaremos, pela mobilização de recursos espirituais que povoam a atmosfera em que nos movimentamos, num destes pousos balsâmicos de recomposição.
Nesta noite de sutis harmonias, o iluminado espírito de Maurício, fortalecido ele próprio pela catalisação de nossas vibrações positivas, permite-se, mercê da Graça Divina, recompor-nos as forças e clarificar-nos as aspirações. É na mecânica da contabilidade celeste que podemos encontrar tão estranha simbiose, porque somente nela vige a lei de que tanto mais se recebe quanto mais se dá.
Esta é a hora precisa para nos situarmos, com exatidão, no quadro da doutrina que vem nos renovando a existência. É a hora de fixarmos nossas responsabilidades perante a Vida Maior. Tal tomada de contato, feita através de nossas consciências, é um ato introspectivo e subjetivo, mas extremamente racional, pois é na racionalidade do processo que reside o êxito de uma catarse espiritual que se exprima numa consciencialização crescente de nossas ações e atitudes.
Para uma análise de tal natureza, deveremos partir da premissa fundamental de que não estamos arguindo de nosso próximo, e sim de nós mesmos; que estamos fazendo uma autoanálise, não uma plurianálise.
Através da racionalização, visamos a perscrutar os refolhos de nossa alma sem atitudes mórbidas de negativismo, que trariam reais prejuízos para nosso equilíbrio emotivo. Não mergulharemos nas câmaras da nossa intimidade para bradarmos, aos quatro ventos, patéticos “mea culpa”, nem egressaremos destes recônditos escaninhos para recapitularmos ânsias enervantes, como as de lutuosas carpideiras.
Não se trata de comover, mas de esclarecer. Não se trata, com mais forte razão, de enternecer a terceiros, mas de educar a si próprio.
O Espiritismo, recapitulando o Evangelho, fornece-nos roteiro seguro. Por mais impenetráveis se apresentem as veredas, desfiguradas pelas urzes e pelos cardos, vislumbraremos sempre, através da Boa-Nova, as luzes que balizam as vias desimpedidas da salvação.
Pressentir tais luzes, deixar-se por elas iluminar, permitir-se guiar por elas, é tarefa inadiável e intransferível de qualquer participante da grande romaria terrestre.
Ao cristão, ao espírita, compete, periódica e constantemente, esta tomada de posição que o coloca como observador de seu comportamento como viajante do Universo.
Sempre que se cuida de testar a maneira pela qual estamos relacionados à perfeição, deveremos recorrer a este autoestudo, procurando corrigir em nós tudo aquilo que nos constrange nos semelhantes.
O que sentimos, de início, é a dificuldade em fazermos uma crítica pessoal com absoluta isenção de ânimo. Somos levados a comparações, superestimando os defeitos alheios e valorizando as próprias virtudes.
Deveremos aprender a amar-nos a nós próprios, para podermos amar ao nosso próprio da mesma maneira pela qual nos amamos. Não é crime amar a si mesmo; se o fosse, Jesus não nos ordenaria o amor ao próximo na mesma medida do amor a nós próprios. Amar a si mesmo, contudo, não é a mesma coisa que orgulhar-se e envaidecer-se de si mesmo; amar a si próprio não é amar-se com soberba e egoísmo. Não deveremos confundir o amor a si próprio com o amor-próprio. O amor a si próprio implica no amor redenção, no amor renúncia, no amor que fará galgar, um a um, com humildade e segurança, os degraus da evolução, se soubermos amar ao nosso próximo na mesma medida. Assim procedendo, suplantaremos nossos defeitos e valorizaremos as virtudes alheias.
Na ética do nosso comportamento social, bastaria que aprendêssemos a lição magna do fazer ao próximo somente aquilo que gostaríamos nos fosse feito. Como toda lição de profunda sabedoria, esta é de meridiana clareza e simplicidade.
Teremos agido, sempre, para com nosso próximo, de conformidade com o grande ensinamento? Não nos esqueçamos de que aquilo que semeamos teremos de colher; não contemos colher uvas nos abrolhos de nossa invigilância.
De mil e uma maneiras diferentes, afirmamos uma coisa e fazemos outra. Aí se situam nossas falhas habituais, a merecer nossa mais honesta reflexão.
Falsa moralidade e falsa virtude causam maior repulsa que o erro em sua forma mais clara. Este pode ser encarado com a justificativa da ignorância; aqueles nem a tanto podem ser levados em conta.
O passo do Evangelho sucede-se em gloriosa sequência. As interpretações desses passos, em páginas de comovedora espiritualidade, têm-nos chegado através da mediunidade bem orientada de muitos companheiros que interpretam o pensamento das esferas superiores.
O exemplo de Maurício, nosso Patrono, a quem reverenciamos hoje, impõe-nos sérios compromissos pessoais, que nos induzem a algumas indagações:
– Não estaremos fazendo alguma alquimia mental, tentando iludir ao próximo com nossas meias virtudes quando, em realidade, estamos nos iludindo a nós mesmos?
– Não estaremos acocorados no anonimato, quando a nós chegam as ocasiões de promover atitudes renovadoras?
– Não estaremos transferindo para amanhã, os compromissos dos contratos de nosso complexo Cármico, embora pressintamos que o amanhã, a cada passo, se mostra dramaticamente tardio?
– Não estaremos, na esfera específica de nossas atribuições doutrinárias, regando com a vaidade o joio da cizânia, em vez de adubar com puras intenções o trigo dadivoso da fraternidade?
– Não estaremos, com escrúpulos malsãos, julgando-nos incapazes para inúmeras tarefas a que somos chamados a colaborar?
– Não estaremos exigindo dos outros, poderosos e humildes, dirigentes e dirigidos, comportamentos que não somos capazes de exemplificar no círculo restrito de nossas constelações de família e de trabalho?
– Não estaremos dando pasto ao egoísmo, refugiamo-nos na torre de marfim de nossas limitadas luzes de sabedoria, afastando-nos do mundo de Deus, a pretexto de amá-lo e servi-lo, como se Deus não só transcendesse ao mundo, como a ele também não fosse imanente?
– Não estaremos perdidos no emaranhado de minúsculas questões que nos amarguram a existência e nos causticam a alma, criando-nos um inferno que nos afasta do céu a ser conquistado com a execução de nossas obrigações maiores?
– Não estaremos esperando, preguiçosamente, que a salvação nos seja outorgada por deliberação do Divino Legislador, quando bem sabemos que ela deve ser elaborada com o sacrifício de nossas comodidades na ara do trabalho construtivo?
– Não estaremos sendo excessivamente avaros, negando-nos a participar do social com as luzes bruxuleantes de nossa Fé e de nosso Amor, sabedores de que deveremos ser o Sal do Mundo?
– Estaremos, finalmente, assumindo o comportamento espírita, medido na razão direta de nossa reforma interior?
Tais indagações, longe de nos ensombrarem os horizontes, são clarinadas a descerrarem os véus da luz do entendimento.
Se nos congregamos na imensa legião desta Cruzada, foi para o bom combate da Fé. Maurício e seus homens foram vítimas da intolerância, sacrificando-se em holocausto ao testemunho; a nós, que nos propomos ser os herdeiros da tradição maurícia, compete não nos deixarmos vitimar pela tolerância para com os erros do passado, comprometendo-nos a manter-nos fiéis à causa que vimos abraçando.
Soldados de Cristo! Legionários de Maurício! Não nos hão de falecer os recursos para a consecução dos ideais renovadores!
Imensa hierarquia espiritual vela por nós. A Cruzada invisível, nos planos espirituais, é imensa falange a terçar, por nós e conosco, as armas da Luz e do Progresso.
Enche-nos de esperança e paz a certeza de que sobre nós fluem as benesses que nos mantêm a chama acesa; Chama que aquecerá, um dia, todo um exército de batalhadores do Bem.
Unidos sempre, prosseguiremos avante, entoando os cânticos de nossa redenção, que ecoarão nos planos siderais como hinos de gratidão à infinita misericórdia do Pai Celestial.
FIM
XI Semana Maurícia. Elaborada pelo Cruzado, Major Prof. Ruy Kremer.
Para ver as Mensagens Maurícias anteriores – Clique aqui